Armando Correa de Siqueira Neto
A coisa mais difícil que existe nesta vida é educar um ser humano,
pois a educação demanda nossa atenção constante
durante um bom tempo, sem esquecer, é claro, que podemos aprender até
o último momento de nossa vida.
Alguns fatores apontam as causas da falta de limite na educação
das crianças de um modo geral, destacando os valores morais que sumiram
do nosso cenário, haja vista o enorme número de casos de corrupção
ininterrupta na política, nas empresas e nas igrejas que são apresentados
na mídia e nos quais dificilmente a lei consegue ser cumprida. Ademais,
instaurou-se na cultura a idéia de que ser esperto é a grande
jogada e, o contrário, uma tremenda burrice. Então, por que seguir
regras?
Outro ponto importante é a ausência dos pais na vida da criança,
em virtude da carga horária dedicada ao trabalho. Assim, a convivência
educacional é deixada aos cuidados da escola desde os primeiros momentos
da vida da criança em creches ou instituições educacionais
do governo ou particulares. Essa necessidade familiar gera um sentimento de
culpa nos pais, que, para compensar tais circunstâncias, acabam sendo
permissivos em demasia com seus filhos, impedindo, por conseguinte, momentos
de educar e proporcionar os valores que devem ser seguidos, derivados dos próprios
valores existentes nos pais e na constituição da personalidade
da criança.
Contudo, abre-se uma nova polêmica nesse rastro de educação
sem limites ao lembrarmos que muitos pais com filhos hoje adolescentes ou adultos
vêm de uma geração que pregou por muitos anos a idéia
de que a liberdade total era a melhor saída, contrapondo-se à
idéia da repressão sócio-histórica vivida por eles
em sua juventude, o que acarretou um juízo de valores distorcido, vindo
de um radicalismo social de repressão educacional para outro de permissividade,
sem fazer "escola", não havendo ponderação e,
conseqüentemente, faltando um plano mediano que fosse sendo ajustado à
medida que as demandas educacionais de cada época surgissem. Simplesmente,
foi-se estabelecendo esse modelo de educação até o momento
em que se evidenciaram os desastrosos resultados. Outra condição
a ser pensada é o exagero que os pais têm com relação
aos traumas que poderão causar caso venham a ser mais enérgicos
na educação de seus filhos.
Usar o bom senso e algumas regras para estabelecer limites na educação
infantil não arranca pedaço de ninguém. Faz-se necessária
a consciência de que, para educar, é preciso esforço, dedicação,
perseverança e paciência, muita paciência.
Nas escolas, a relação entre aluno e professor chegou a uma
condição muito favorável, pois a participação
do aluno está maior, diferentemente de outras épocas, em que seu
papel se restringia apenas a ouvir e guardar as informações que
chegavam. A criança de hoje está mais bem estimulada e responde
com maior agilidade ao meio, o que lhe confere a boa posição de
ser mais ativa e de ter mais poder para participar e se expressar nos grupos
sociais — especialmente em casa e na escola. Todavia, dada a falta de
condução por conta da educação sem limites, a criança
acaba tornando-se um canhão sem direção, que atira para
vários lados ao acaso e acerta quem estiver em seu trajeto e a si mesma.
Para ilustrar esse contexto da educação sem limites, relatarei
uma cena que vi na diretoria de uma escola do governo. De um lado, encontrava-se
a vice-diretora da instituição. Ela descrevia o descaso de um
aluno com relação aos estudos e seu comportamento rebelde e desrespeitador
mediante as regras daquela escola, exaltando o fato de que esse menino, de aproximadamente
11 anos, já havia "bombado" no ano anterior e que, em seu boletim,
constavam muitas faltas. De outro, estava a mãe, estupefata com aquelas
faltas, tentando compreender aquele “furacão”. Ao lado da
mãe, que estava sentada, encontravam-se sua filha menor, à frente
do referido estudante, e, ao lado dele, outra irmã, aparentemente mais
velha. O quadro estava formado. O garoto permaneceu imóvel entre as pessoas
de sua família e apenas comentou, em tom humilde, que a direção
da escola lhe perseguia há muito tempo e que ele era bonzinho.
Apesar da postura de cobrança por parte da diretoria da escola, é
quase impossível obter do aluno um comportamento adequado, uma vez que
lhe falta o direcionamento educacional, sutilmente revelado pela mãe
quando alegou não ter tempo de poder criar o próprio filho porque
permanecia ausente em virtude do trabalho.
Tal situação é comum e clara quanto às dificuldades
existentes para todas as partes: o aluno precisa, mas não tem a educação
fundamental de ser acompanhado em casa por seus responsáveis; os pais
não têm tempo e sentem a dificuldade se ampliar conforme o tempo
passa, desestimulando cada vez mais uma maneira de mexer nessa situação;
e a escola acaba arcando com tal responsabilidade sem ter estrutura para isso.
A situação de várias crianças como essa e de suas
famílias é caótica, e não existe meio-termo para
classificar o que se passa nessa inversão de valores, em que inexiste
a educação pautada em acompanhamento e com limites. Muitos pais
crêem que o tempo dará jeito na questão, deixando à
sorte o futuro de seus filhos.
O exercício de viver só é realizável vivendo,
na prática, e o mesmo ocorre com a educação; portanto,
é preciso arregaçar as mangas e assumir o papel de orientador,
de guia, de educador. Começar, antes tarde do que nunca, a se envolver
nesse processo importante e determinador da vida do ser humano, encontrando
tempo para essa empreitada. Sempre que desejamos muito alguma coisa, damos um
jeito para alcançá-la. O que nos impede de lutar por essa causa
mais do que nobre? Qual é o medo em tentar educar os próprios
filhos?
Como em qualquer situação da vida, haverá tropeços,
que darão lugar ao procedimento adequado conforme a prática e
a persistência dessa convivência. Os rumos poderão ser diferentes,
e certamente o serão. Outros benefícios virão naturalmente,
como um maior sentimento de amor próprio e, em muitos casos, a
unidade familiar. Mas é preciso começar, tentar, fazer acontecer.
Confie em si mesmo e mude o cenário, assumindo responsabilidades e transmitindo
muitos valores aos seus filhos, por via de uma educação que dê
a eles segurança e conforto, pois todos nós sempre desejamos isso.
Armando
Correa de Siqueira Neto é psicólogo.