Jorbson
Bezerra*
Sempre que falamos em sala de aula, imediatamente, vem-nos a imagem de uma
edificação climatizada por ar-condicionado, com um piso impecável,
paredes internas bem-acabadas, a região interna preenchida por bancas
bem projetadas e acopladas a cadeiras confortáveis, fixada à parede
uma grande lousa e, é claro, essa sala deve pertencer a uma grande escola,
cercada por um grande e seguro muro que a separe do mundo, isto é, da
vida, mas não de simples vidas, da vida daqueles que vão lá
em busca de uma instrução.
Que bela escola acabo de descrever. Devo, no entanto, ter esquecido de muitos
outros acessórios e, da sala de aula então, nem se fala. É
que não quis me estender demais, mas gostaria de trazer à tona
algumas questões.
Se nós (educadores, professores, técnicos e outros) abrirmos
essa sala, vamos vê-la absurdamente silenciosa. Contudo, não é
um silêncio existencial, aquele em que paramos para buscar perguntas e
respostas para nossa própria vida; que dá forma à nossa
filosofia; que diz aquilo que não sabemos dizer; que faz o que, de alguma
forma, não conseguimos construir; que conquista; que guia nossos passos;
e que nos faz refletir e até permanecer em estado sonolento diante da
vida. Sendo assim, não encontraremos sentido algum para lá estarmos
e logo nos sentiremos incomodados pela falta daquele aluno, ao qual deveríamos
estar chamando atenção, ou, ainda, daquele em quem depositamos
toda nossa esperança, que nos faz acreditar que amanhã será
um novo dia. Da mesma forma, se os alunos ali estiverem e passarem as cinco
horas mínimas que devem permanecer na escola naquela sala bem projetada,
confortável, mas sem a presença de um professor, poderão
até vibrar por alguns instantes, mas logo acharão estranho não
terem ali um professor para adorar ou simplesmente chateá-lo, para com
ele compartilhar experiências ou apenas criticá-lo. Então,
pergunta-se: “O que esta acontecendo?”, “Tem algo estranho
aqui?”, “Onde estão as pessoas?”... Mas como um grupo
de pessoas sente falta de pessoas, é que a razão de ser e estar
ali, naquele lugar, naquelas circunstâncias, é insuficiente.
O saudoso Paulo Freire tinha toda razão quando dizia que ninguém
educa ninguém, assim como ninguém se educa sozinho; alguém
só aprende se existir uma pessoa que lhe deseje ensinar. Da mesma forma,
alguém só ensinará se houver um indivíduo ardentemente
predisposto a aprender. Percebamos que ensinar e aprender são atos recíprocos
e, por isso mesmo, um não tem consistência sem o outro, um inexiste
sem a preexistência do outro; educar é um ato coletivo e uníssono
entre educando e educador, pois ambos devem concatenar idéias, desejos,
sonhos e, acima de tudo, esforços.
Mas o que tem a ver sala de aula/escola, isto é, o início do
texto, com a reflexão que acabamos de realizar?
É que para o processo educacional não há partes; só
existe o todo, que é o próprio processo, o qual nos leva a compreender
toda a situação que gera o tal processo. É justamente aquilo
que nos permite entender que o verbo olhar tem menor valor do que o verbo ver,
posto que o olhar é uma condição biológica e só
percebe o que consegue alcançar na sua ínfima limitação,
enquanto o ver é uma condição da alma, da existência
humana e nos permite tocar a essência de cada ser e reconhecer suas reais
necessidades. Assim, aprendemos a valorizar os dons de cada um, o que inevitavelmente
nos levará a despertar um ser que este até então não
conhecia. Valorizar dons é reconhecer que todo ser é processador
da sua própria condição de humano.
Já foi possível percebermos que educar é, sem dúvida,
uma das tarefas mais complexas impostas pela vida, por ser em qualquer instância
uma execução contínua e coletiva e, por tais razões,
faz-se necessário a todo instante refletirmos, enquanto agentes formadores
e facilitadores desse processo, acerca de nossas posturas, condutas e sentimentos,
pois navegaremos nas relações intra e interpessoais, possibilitando
dentro das posses processuais do desenvolvimento sociocultural uma maior compreensão
do ato de educar, que vai além das ingênuas definições
que conhecemos. Com isso, quero deixar claro que a afetividade não pode
ser confundida com considerações pedagógicas obsoletas,
como declaram alguns, pois é o elemento essencial para o processo supracitado.
E, com isso, quero dizer que a aprendizagem exige uma mediação
integrada, em que o ensinar não apenas descreva, mas inscreva, e o aprender
se torne prazeroso à medida que se faça significativo. Aí
então entra a sala de aula, que não carece em hipótese
alguma de uma bela edificação nem mesmo de uma edificação.
Entretanto, será ótimo se ela existir, por viabilizar algumas
situações, tais como o entendimento institucional de uma escola
como centro de aprendizagem e como um ambiente social e profissional.
A sala de aula deve ser um celeiro de dúvidas e, quando estas existirem,
ela não deve ser vista como um espaço material, mas, sim, como
um instante de construção sociointelectual. Dessa forma, desejo
explicitar o fato de que a escola necessita romper seus próprios limites
físicos e se fazer vida com a vida. Portanto, a sala de aula é
um espaço para investigação, para a busca de pistas que
componham a construção do saber, que é um dos valiosos
papéis da dúvida e, também, uma instância socializante,
uma vez que nos permite estabelecer contato com uma imensa diversidade de seres
e formas pensantes que precisam ser ouvidas e, conseqüentemente, respeitadas.
É, ainda, um laboratório de formação e informação
intelectual, passando a ser uma via que nos possibilita perceber outros caminhos.
Em suma, é na sala de aula que se compreende o macro universo existente
à nossa volta, que está correlacionado ao nosso universo interior;
é um caminho que nos possibilita entender melhor os caminhos da vida,
fazendo-nos significar cada batida do coração e compreender suas
alterações ao manifestarmos variadas emoções, por
ser escola cada sala de aula e mestre, cada aprendiz, e serem todos (escola,
salas de aula, mestres e aprendizes) partes de um todo denominado vida. Essas
partes jamais representarão frações, pois são, por
natureza, inteiras, e representam por si a vida, visto que a vida está
contida nela mesma.
Por essas razões é que na “escola vida” e na “vida
escola” aprendemos, a cada instante, a sermos um pouco mais humanos.
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*Jorbson
Bezerra
E-mail: jorbsonbezerra@aol.com