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Prof.ª Dr.ª Gláucia da Silva Brito - A linguagem utilizada na Internet |
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A comunidade escolar, neste início de século, depara com três caminhos quando começa a refletir sobre a “inserção” das novas tecnologias na educação:
Considero que o terceiro caminho é o que melhor apresenta informações para uma formação intelectual, emocional e corporal do cidadão que cria, planeja e interfere na sociedade. Para tanto, é necessário um trabalho pedagógico em que o professor reflita sobre sua ação escolar e elabore e operacionalize projetos educacionais com a inserção das novas tecnologias da informação e da comunicação. Esse educador deverá entender que o simples uso das tecnologias não assegura a eficiência do processo de ensino—aprendizagem e não garante uma “inovação” ou “renovação” das metodologias de ensino no ambiente educacional. Os questionamentos recebidos de colegas de todo o território brasileiro me fizeram derrubar a hipótese de que há falta de reflexão, no ambiente escolar, sobre o uso das novas tecnologias. É óbvio que a incorporação delas, principalmente da Rede de Computadores, no fazer diário do professor é bem mais complexa do que se imagina e depende de muitas outras variáveis. Mas nenhuma intervenção pedagógica harmonizada com a sociedade contemporânea e com inovações é eficaz sem a colaboração consciente do educador. Derrubada essa hipótese, opto por responder aos questionamentos feitos por meio do Portal Educacional para que cada colega professor possa avançar em suas reflexões. Vamos a elas então. 1. O que você pensa dos professores de Língua Portuguesa que,
mesmo sabendo da existência dessa nova linguagem, têm uma antipatia
gratuita com relação a ela e difundem isso entre os colegas? Essa
linguagem criada pelos jovens pode ser considerada um neologismo? (Vicente
Cândido, São Paulo – SP / Rafael Macedo Carignato, São
Paulo – SP / Rita Daniela de Souza Arend, Canoas – RS) Eu não classifico a escrita utilizada na Internet como um neologismo, pois, para que fosse considerada assim, teríamos de ter um dos seguintes processos de formação: a possibilidade de combinar de maneira inovadora os morfemas (radicais, prefixos e sufixos) preexistentes ou a atribuição de novos sentidos a palavras já existentes na nossa língua. Na escrita em ambientes como MSN, blogs, flogs, ICQ e e-mail, percebemos muito mais o uso de abreviações que neologismos. E a maior quantidade delas pode estar ocorrendo por causa da “transmutação1” do diálogo cotidiano para a esfera eletrônica. Não podemos esquecer que a essa escrita o produtor alia muitos caracteres alfanuméricos e recursos semióticos não-verbais (imagens, emoticons, etc.).
3. A linguagem na Internet deve ser informal, uma vez que se trata de um
bate-papo. No entanto, observando adolescentes conversando pelo computador,
percebe-se que, além de palavras quase que inventadas e abreviações
inusitadas, eles cometem muitos erros de ortografia por causa da rapidez com
que têm de escrever para conseguir conversar com três ou mais colegas,
o que aumenta as dificuldades com a norma culta. Será que isso não
é prejudicial para a formação lingüística dos
jovens ou limita o vocabulário deles? Como lidar com essa crescente dificuldade
e desinteresse pela modalidade culta da língua? (Maria Paula M.
Di Pietro, São Paulo – SP / Ladiane Barbosa de Oliveira, São
Luís – MA / Helyenara Maia, Curitiba – PR / Licinio Pereira
Nunes Filho, Curitiba – PR / Maria do Socorro Luz Catunda, Fortaleza –
CE / Clovis Justino da Silva, Curitiba – PR / Pensylvania Noemia de Paiva
dos Santos, São Paulo – SP / Patrícia Delázari Meira
Lima de Bari Corrêa, São Paulo – SP) Precisamos lembrar sempre que a ortografia é artificial, uma decisão política, e que a língua é natural. Portanto, na Internet, estamos sempre utilizando a língua. A ortografia oficial é necessária para que todos possam ler e compreender o que está escrito. Dessa forma, é normal acharmos que nos bate-papos na Internet teríamos de usá-la também. Mas, quando empregamos esses recursos, estamos simulando situações de fala e, por isso, é normal que, em vez de beijo, eu escreva bêjo ou bju. Não acredito que a variabilidade e a diversidade prejudiquem o vocabulário de alguém. É em nossas aulas de Língua Portuguesa que devemos utilizar metodologias que mostrem aos alunos que linguagem deve ser usada nas diversas situações comunicativas. Ou seja, tudo depende dos seguintes fatores: quem diz, o quê, a quem, como, quando, onde, por que e visando a que efeito. 4. Atualmente, observa-se que as questões discursivas têm apresentado
mais erros de ortografia, possivelmente em função dessa nova modalidade
de escrita e da falta de leitura em geral por parte dos alunos. Como você
vê essa situação, tendo em vista que avaliações
e concursos ainda utilizam a linguagem formal em seus exames? (Abel Santana
Junior, Vila Velha – ES / Patrícia Adriana Nascimento, Araçatuba
– SP / Thais Martins Bezerra, Fortaleza – CE / Cristiane Martins
dos Santos, Arapongas – PR / Yvone Dugin Sola Sola, Santo André
– SP / Lúcia Regina Oliveira de Souza, Curitiba – PR / Mara
Solange Guedes Campos, Curitiba – PR) Questões discursivas bem elaboradas exigem do estudante a capacidade
de estabelecer relações, resumir, analisar e julgar. Dessa forma,
ele tem liberdade para expor seus pensamentos, mostrando habilidades como organização,
interpretação e expressão. Por isso, existe a hipótese
de que essa liberdade para expor suas idéias leve o aluno a cometer mais
“erros” ortográficos. O importante é que o professor (de qualquer disciplina) que utiliza esse tipo de avaliação retome as provas fazendo uma reescrita (individual ou coletiva) com seus alunos para que percebam que no momento de uma avaliação temos de utilizar a escrita formal. 5. Como os dicionários devem ser utilizados nesse contexto, principalmente
com relação a essas novas expressões criadas e ao uso em
sala de aula? Como utilizar o dicionário para fazer os alunos diferenciarem
essas formas de escrita, uma vez que muitos deles estão usando a escrita
informal da Internet em prova e trabalhos? (Parahuari Branco, Curitiba
– PR) 6. O modo de escrever dos internautas já pode ser considerado uma
linguagem ou simplesmente é uma maneira errônea de se expressar?
Será que essa comunicação pode afetar a dicção
dos alunos? (Antonio Diogo Hidee Ideguchi, São Paulo – SP
/ Ruy Miranda Reis, Curitiba – PR) 7. Essa nova linguagem, se introduzida na alfabetização, pode
causar vícios na escrita que serão levados para a sala de aula,
atrapalhando o desenvolvimento escolar? Até que ponto o uso do computador
é eficaz na alfabetização na Pré-Escola? (Rosemeire
Da Dalt Candido, Pouso Alegre – MG / Marco Aurelio Sorpilli, Birigui –
SP / Julia de Souza Moreira, Vitoria – ES / Ana Elisa Rocha de Campos,
Tatuí – SP) Se não for bem utilizado pelo educador, nenhum material será eficaz. Mas os professores têm de receber formação, principalmente em relação ao uso de softwares (programas), para poderem analisar, avaliar e decidir sobre quando e como utilizá-los nas séries iniciais. 8. Que conselho você daria a alunos de 6.ª série com problemas
de ortografia e dificuldade de se expressar por escrito? (Claudia Regina
P. Pádua Soares, São Paulo – SP) 9. De que forma é possível utilizar essa nova linguagem nas
aulas de Língua Portuguesa do Ensino Médio? (Aparecido
Lázaro Justiniano, Ponta Porá – MS) 10. Essa nova linguagem escrita aprendida pelos adolescentes pode prejudicar
o relacionamento deles com pessoas que não têm acesso a ela, como
seus pais? (Ronaldo Antonio Hofmeister, Curitiba – PR) 11. A revista Istoé publicou um artigo sobre essa nova forma
de comunicação e um aspecto me deixou intrigada. O canal de TV
por assinatura Telecine está exibindo filmes, principalmente de ação
e aventura que têm como público-alvo os jovens, com legendas nessa
nova linguagem. Será que isso não é exagero? Será
que não estão misturando as coisas? (Andréa Antonialli,
São Bernardo do Campo – SP) 12. Onde leciono, tivemos, em 2003 e 2004, experiências de produção
de blogs na disciplina de Filosofia. A maioria dos alunos não
gostou de produzir uma página com características voltadas à
aprendizagem e teve dificuldade para entender e sistematizar a linguagem utilizada
nessa ferramenta. Por que isso aconteceu? (Sandro Luis Fernandes, Curitiba
– PR) Blogs são uma espécie de diário, algo muito pessoal que as pessoas desejam compartilhar; se perdem essa característica, não são mais blogs. Se os alunos sentem a obrigação de escrever, sabendo que vão ser avaliados, as dificuldades podem ser muitas. Se você tivesse pedido uma produção de site ou a criação de uma comunidade no Orkut, talvez o resultado fosse outro. Para aliar sala de aula e Internet, é necessário que o professor realmente conheça os ambientes dessa rede. 13. Que problema haveria se o adolescente escrevesse da maneira correta
no MSN, chat, blog, etc.? Ele poderia ser rejeitado pelos colegas?
(Vânia Tavares de Menezes, Santos – SP) Para esclarecer outras dúvidas, entre em contato com nossa entrevistada: glaucia@ufpr.br Participaram da entrevista:
1 - Transmutação é uma abordagem teórica feita por Bakhtin. Ver BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. 2 - Ver BAGNO, Marcos. Preconceito lingüístico:
o que é e como se faz. São Paulo: Loyola, 2002.
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