É comum ouvir dizer que o Brasil é privilegiado por estar
livre de desastres naturais. Mas, muito antes da ocorrência de furacões
e ciclones extratropicais nos estados do Sul, o país já vive o
inferno da seca no Nordeste. Desde o tempo do Império, discute-se a possibilidade
da transposição das águas do Rio São Francisco para
o chamado Polígono da Seca como forma de solucionar o problema. Esse
assunto volta agora às manchetes de jornal graças a um projeto
do Ministério da Integração que está prestes a sair
do papel.
Foto: Corel Stock
Photos |
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A
seca é responsável pelo quadro de extrema pobreza no Nordeste
do Brasil. |
O fenômeno da seca é resultado do atraso ou da distribuição
irregular de chuvas. Mas ela representa muito mais que apenas uma ocorrência
climática, pois acarreta sérios efeitos no desenvolvimento da
vegetação, gerando, por conseqüência, um quadro social
de extrema pobreza nas regiões onde a economia ainda está embasada
na agricultura familiar.
É o caso do Polígono da Seca, uma área de 950 mil km2
situada entre o Sudeste e o Nordeste do Brasil, afetando os estados de Alagoas,
Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí,
Rio Grande do Norte e Sergipe. A região, de clima semi-árido,
recebe menos de 700 mm de chuva por ano e é castigada com altas temperaturas:
26ºC em média.
» Veja
um mapa que mostra a área do Nordeste brasileiro que é atingida
pelo clima semi-árido.
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Projeto
de transposição do Rio São Francisco: mais de 700 km
de canais deverão ser construídos. |
Uma possível solução para o problema seria a chamada transposição
do Rio São Francisco. Consiste em estender a circulação
do "Velho Chico" (cujo leito está, maior parte, em Minas Gerais,
Pernambuco e Bahia) também para os estados do Rio Grande do Norte, Paraíba
e Ceará, além de áreas semi-áridas de Alagoas, Pernambuco
e Sergipe. Abastecida pelo rio, a região do Polígono da Seca teria
água suficiente para a agricultura e o consumo individual.
A mais recente versão dessa idéia é o projeto de Interligação
da Bacia do São Francisco com as Bacias do Nordeste Setentrional,
que integra o Programa de Desenvolvimento Sustentável do Semi-Árido
e da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, comandado pelo
Ministério da Integração Nacional. Orçado em R$
4,2 bilhões, o projeto prevê a construção de aproximadamente
700 km de canais e reservatórios, divididos em dois eixos, que abasteceriam
o Polígono, aliviando os efeitos da estiagem. O Exército já
se prontificou a ajudar, e o governo se prepara para iniciar as obras.
Mas a idéia da transposição está longe de ser unanimidade.
Se, para o governo, a obra é inadiável, por outro lado não
faltam opiniões contrárias. O principal nome da oposição
é o bispo Luiz Flávio Cappio, que esteve em greve de fome entre
os dias 26 de setembro e 6 de outubro, como forma de protesto à realização
da obra.
Entenda, a seguir, o porquê de tanta polêmica.
A polêmica transposição das águas do Rio São
Francisco
Por Julio Cezar Winkler
No Brasil Império, durante o reinado de Dom Pedro II, foi concebido o primeiro
projeto de transposição do Rio São Francisco, visando a minimizar os efeitos
do clima semi-árido no Sertão Nordestino.
De lá para cá, outros projetos se sucederam, mas nunca foram implementados.
Contudo, agora, parece que esse objetivo está sendo levado a sério, e o governo
federal se mobiliza para iniciar o que seria, juntamente com a Itaipu e a Transamazônica,
uma das maiores obras de engenharia de que nosso país já teve notícia.
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Foz
do Rio São Francisco, na divisa
dos estados de Alagoas e Sergipe. |
As sociedades nordestina e mineira se dividem da seguinte forma: de um lado,
estão aqueles que argumentam que a transposição das águas seria a salvação para
as populações que vivem na região do Sertão Nordestino; do outro, ambientalistas
e técnicos que advertem que a transposição será um verdadeiro “tiro no pé”,
pois o Velho Chico (há muito tempo castigado por causa do uso indiscriminado
de suas águas e pelo crescente desmatamento de suas matas ciliares, o que gera
assoreamento — diminuição da profundidade média do rio em função do acúmulo
de sedimentos em seu leito) não suportaria ceder parte do volume de suas águas.
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Região
Nordeste e suas subregiões. |
Existe ainda quem afirma que a obra seria duplamente desastrosa, pois não possibilitaria
a melhora nas condições de vida no Sertão e poderia causar sérios problemas
ao regime hídrico do Rio São Francisco.
A quantidade de água desviada do rio seria de 63 m3/s,
ou seja, cerca de 3,4% da vazão total no baixo São Francisco. Boa parte desse
volume serviria a projetos de agricultura irrigada (principalmente para a produção
de frutas para a exportação) e a produção de camarão em açudes. Outra parte
seria utilizada para abastecer centros urbanos que hoje consomem boa parte da
água disponível na região.
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Bacia
hidrográfica do Rio São Francisco
o maior rio integralmente brasileiro. |
Entre as alternativas apontadas para a transposição, estão o melhor gerenciamento
dos recursos hídricos do semi-árido, o investimento em obras não acabadas, a
construção de uma cultura de convivência com a problemática da seca e a busca
de alternativas simples e viáveis.
Essa temática está em discussão no governo federal, e a obra deve ser iniciada
o mais breve possível. Esperamos ao menos que criteriosos estudos sobre os impactos
ambientais sejam realizados e que as resoluções retiradas deles sejam respeitadas,
pensando-se no melhor para essa população, que é castigada pelos longos períodos
de seca, e na manutenção do São Francisco, o maior rio totalmente brasileiro.
Para ir mais longe
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