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Terremotos: fúria imprevisível |
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Publicado em 15/05/2009
Por César Munhoz
Comentários de:
— Adriana Sydor, arte-educadora do portal
— George Sand, chefe do Departamento de Sismologia da Universidade de Brasília
— Helen Simone França, geógrafa do portal
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Imagem: AFP |
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Áquila, Itália: cidade destruída e 300 mortos. Mais um exemplo da força e da imprevisibilidade dos terremotos. |
Imagine acordar no meio da noite e ver sua casa caindo em cima de você. É assustador e parece difícil de acontecer, mas é muito mais comum do que pensamos. A Terra é um organismo vivo, composto de várias camadas em diversos estados de composição. Por conta dessa instabilidade é que ocorrem terremotos, como o que aconteceu em abril de 2009 na cidade de Áquila, região de Abruzzo, Itália. O abalo foi tão forte que chegou a ser percebido em Roma, situada a cerca de 100 quilômetros dali. Mais de 100 mil pessoas tiveram de deixar suas casas. Durante todo o mês de abril, o mundo se viu contando os mortos de Áquila: no dia do sismo, falava-se em 50, porém, hoje, sabe-se que mais de 300 pessoas perderam a vida. Terremotos são comuns e inevitáveis. É a lei da natureza que impera, destruindo o que estiver no meio do caminho. E adivinha quem está no meio do caminho? Nossas sociedades e nossa cultura.
Arte em ruínas: reconstruir ou recriar?
A humanidade se desenvolve ao sabor de grandes conquistas, de construções incríveis, de superação de limites, de feitos impressionantes que atravessam séculos e inspiram gerações. Mas, querendo ou não, mais do que qualquer outro fator, o homem caminha sob os mandos da natureza. As catástrofes naturais, que varrem do mapa comunidades inteiras, destroem edificações, acabam com parte da história, ironicamente também fazem parte dela, e influenciam no que o homem construiu e no que poderá fazer.
Imagem: AFP/Andréas Solaro |
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Cúpula da catedral de Áquila: reconstruir ou começar do zero? |
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O terremoto ocorrido na Itália, que teve seu epicentro na cidade de Áquila, um dos maiores tesouros arquitetônicos da Itália, danificou boa parte do patrimônio histórico que o local acumula desde o século XIII e levantou uma questão importante: o que acontece quando danos substanciais são causados a construções e obras com significativo valor histórico?
As ações acontecem de acordo com as possibilidades e necessidades de cada época ou povo. Por exemplo, Pompeia foi destruída pela erupção do vulcão Vesúvio. A cidade foi completamente sepultada em 79 d.C. e assim permaneceu por 1.600 anos, até ser encontrada por acaso. Como a cinza e a lama congelaram no tempo o instante da tragédia, a descoberta serviu como fonte de informação sobre os costumes, a cultura, o comportamento e muitos outros aspectos daquela sociedade e época. O fato de não haver sobreviventes para reconstruir a cidade e de a preservação ser tão precisa tornou o local um sítio arqueológico extraordinário.
Há casos também em que os governantes fazem a opção de seguir em frente, por não ser viável a reconstrução ou por qualquer outro motivo. Isso não significa esquecer o passado, mas colocar, no lugar de escombros irrecuperáveis, pegadas para o futuro. Um exemplo? Em 1755, um terremoto devastador atingiu Lisboa. Com a destruição quase completa da cidade, que ainda tinha ares medievais, nada pôde ser feito para preservar ou reconstruir a maioria da sua coleção histórico-cultural. O Rei D. José I e seu primeiro-ministro, o Marquês de Pombal, marcharam rumo a um plano de construção de uma cidade moderna. Contrataram arquitetos e engenheiros e edificaram um local com grandes praças, avenidas largas e os primeiros prédios projetados para resistir a abalos sísmicos. A história não foi descartada, mas virar a página e recomeçar era profundamente necessário.
Imagens: Biblioteca Nacional de Portugal |



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Lisboa, 1755: registros das ruínas da Basílica de Santa Maria, Casa da Ópera e Praça da Partriarcal. |
Áquila já havia passado por um drama semelhante. Em 1703, um terremoto abalou consideravelmente a estrutura de prédios importantes da cidade. Naquela ocasião, a Igreja de Sant’Agostinho, uma das principais construções barrocas da região, foi destruída e, assim que a ordem se restabeleceu, reconstruída parede por parede, para contar sua história para as gerações posteriores, como se nada tivesse acontecido. Mas, ainda assim, toda vez que a igreja é citada, menciona-se o fato de ter sofrido modificações em 1703.
Provavelmente, esse será o caso da Basílica de Santa Maria di Collemaggio, igreja fundada no século XIII que abriga o túmulo do Papa Celestino V e sofreu muitos danos com o terremoto, e de muitos outros locais importantes não só para a história da Itália, mas para a humanidade.
Por Adriana Sydor, arte-educadora do portal
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Terremotos podem ser previstos?
Sempre que uma grande tragédia dessa dimensão acontece, todo mundo se pergunta: era possível prever? E, se sim, daria tempo de fazer alguma coisa para evitar tanto estrago? Por exemplo: duas semanas antes do trágico fenômeno ocorrido em Áquila, o técnico Giampaolo Giuliani, do Laboratório Nacional de Física e Astrofísica Gran Sasso, afirma ter detectado sinais de que um grande evento geológico estava para acontecer e avisou as autoridades locais. Ele fez essa constatação medindo o volume do gás Radon presente na atmosfera. Esse gás radioativo, inodoro e incolor é um dos elementos químicos que formam a crosta terrestre. Sua passagem do solo para o ar ocorre naturalmente, por meio das fissuras nas formações rochosas. No entanto, quando acontecem os abalos sísmicos, novas e maiores fissuras surgem, ocasionando maior liberação do gás na atmosfera. Por isso, quando o Radon é encontrado na superfície em grau elevado, pode indicar a iminência de fortes terremotos. Saiba mais sobre como os terremotos acontecem no infográfico abaixo.
Informações de Helen Simone França, geógrafa do portal
Apesar de todos os apelos feitos por Giampaolo, a Prefeitura de Áquila achou tudo muito estranho e acabou denunciando o cientista à polícia por causar pânico na população. Por conta desse episódio, as autoridades da região foram acusadas pela opinião pública de negligência. O fato é que muitos especialistas acreditam ser muito difícil prever terremotos. Veja o que declarou o chefe do Departamento de Sismologia da Universidade de Brasília, George Sand, nesta entrevista ao portal.
3 PERGUNTAS PARA: George Sand, chefe do Departamento de Sismologia da Universidade de Brasília
Afinal, é ou não é possível prever terremotos?
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O "alarme de terremoto" não existe. Há algumas regiões do mundo que têm um tipo de atividade física que se chama de pré-abalos. São tremores menores que antecedem um grande terremoto. Há também os pós-abalos, que são tremores menores após um grande terremoto. Tem certas regiões do mundo que não têm isso, só têm o abalo principal e depois os pós-abalos. E tem regiões que nem isso têm. Só têm o grande abalo e acabou-se. Diante disso, não se consegue dar um alarme de imediato. Esse é o grande dilema da sismologia hoje.
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Por que as populações normalmente não são avisadas quando há indícios de terremoto?
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Não se avisa porque não se tem certeza. A possibilidade de isso acontecer ainda é pequena. Vou dar um exemplo: até hoje os Estados Unidos esperam o Big One, que é o grande terremoto de São Francisco. E até agora ele não veio. Então, se a população quiser ficar em alerta, já nem mora em São Francisco. Não existe nenhum critério hoje que diga que "sinais de terremoto" são confiáveis ou não. Qualquer pessoa pode dizer que, a qualquer momento, vai haver um tremor em Porto dos Gaúchos (MT), lugar onde foi registrado o maior tremor de terra no Brasil até hoje, de magnitude 6,6 na escala Richter, em 1955. Pode acontecer amanhã, mas não quer dizer que, se eu avisei hoje, a população toda vai ter de sair da cidade. Na verdade, não se trata de aviso. O que é necessário é infraestrutura. O Japão, por exemplo, é um país que, se tivesse enfrentado um tremor de 6,3, não teria sofrido tanto impacto como foi na Itália, no caso de Áquila. Então, não importa o "aviso" em si, mas, sim, o que é feito antes do "aviso". É dar infraestrutura, preparar a população, porque um terremoto pode acontecer a qualquer momento em qualquer parte do mundo. E agora? A gente avisa toda hora? Ninguém mais vai conseguir ficar em casa. Ou então prepara-se a estrutura para isso.
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As autoridades de Áquila foram negligentes com a população?
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Minha opinião é de que não é culpa das autoridades. Se for botar culpa, bota na natureza. Talvez a negligência seja em relação a estruturas fracas, mas não em relação ao "aviso" ou ao "alarme". Porque as informações disponíveis não ofereciam à população ou às autoridades um grau de confiança suficiente para dizer que isso iria acontecer.
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