O guarda-chuva dos direitos humanos
Uma das maiores mudanças depois dos atentados do ano
passado se passou no plano da geopolítica. Imediatamente,
foi sentido o aumento de movimentos xenófobos pelo mundo;
os EUA utilizaram a situação para impor sua agenda
política, e o presidente Bush, até então
tachado de incompetente, virou o salvador da pátria,
ameaçando até mesmo iniciar outra guerra no Oriente
Médio.
Foto por Alex Taylor |
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Memorial aos mortos no atentado. "Paz
do mundo". |
Desde os ataques, a administração Bush se aproveita
da situação inédita de “vítima”
na qual os EUA se colocaram para impor uma nova ordem mundial,
que, segundo os próprios, é a única alternativa
ao fundamentalismo. Ou você está embaixo do guarda-chuva
da democracia representada pelos EUA ou está com os
inimigos.
Mas, no final das contas, a vítima das medidas aplicadas
em nome da guerra ao terror são os próprios
americanos, que, em função da segurança,
cada vez mais abrem mão dos direitos civis conquistados
durante anos de briga. São recorrentes na mídia
denúncias de abusos de autoridade e de desrespeito
pelas leis do país e pelos direitos humanos nos EUA
depois de 11 de setembro: segundo as autoridades, tudo em
nome da segurança.
Os atos terroristas ainda acabaram por elevar a popularidade
do presidente George W. Bush, que tinha sua capacidade de
governar contestada até mesmo por outros líderes
mundo afora, mas, que a parti dali, pôde usar os eventos
para impor sua agenda política.
O resto do mundo “democrático” não
ficou para trás e houve a ampliação de
movimentos nacionalistas xenófobos (vide o susto de
Le Pen nas eleições na França), com uma
maior resistência dos EUA e da União Européia
aos imigrantes dos países pobres. Os EUA ainda deixam
claro, como mostram as últimas atitudes de Washington,
que insiste em atacar o Iraque contra o desejo de muitos de
seus aliados, que o unilateralismo nunca esteve tão
forte.
Depois do Afeganistão — primeiro país
a sentir a revanche americana por abrigar o grupo terrorista
Al Qaeda, responsabilizado pelos atentados —, Bush volta
agora seus canhões ao antigo inimigo combatido por
seu pai na Guerra do Golfo em 91: o ditador iraquiano Sadam
Hussein. O presidente americano acusa Hussein de estar produzindo
armas de destruição em massa, e o governo americano
está fazendo de tudo para convencer líderes
ao redor do Globo da importância de derrubar o ditador,
apesar de não haver ligação comprovada
de Hussein com nenhum grupo terrorista.
Mas, para o professor Sampaio, a nova investida militar americana
não passa de propaganda, até levando em conta
as dificuldades táticas que os EUA enfrentariam num
possível ataque. “Os aliados precisariam, como
da última vez, de uma base em terra para seu contingente
de soldados poderem atacar. É impossível se
investir contra o Iraque sem o apoio da Arábia Saudita,
o que aconteceu na Guerra do Golfo em 1991, já que
o ataque é inviável pelo Kuwait e o Irã
é antigo inimigo americano. Mas a Arábia não
está mais disposta a se envolver. Acredito que, no
máximo, pode haver ataques com aviões ou mísseis.
Mas, a meu ver, é apenas uma maneira do presidente
Bush juntar os americanos em torno de um inimigo comum”.
Nova face para a guerra
Sampaio explica ainda que os ataques de 11 de setembro desfiguraram
o sentido que conhecíamos da guerra convencional, criando
uma nova face para as guerras que virão. “As
redes terroristas não têm feição.
Isso desequilibra o nível de reação dos
exércitos, que são formados para lutarem contra
uma invasão territorial, por exemplo. Esse quadro requer
uma reforma no modo de pensar e ver a guerra, o que já
está sendo feito”. Ou seja, os países
terão de aprender a lutar contra exércitos convencionais
e contra a ameaça desconhecida do terrorismo.
Direitos humanos em baixa
Há toda uma série de iniciativas
que aponta na direção da diminuição
dos direitos humanos: uma é a recusa dos
EUA a que o tribunal de crimes de guerra, em Haia
(Holanda), abrigue iniciativas políticas
como a Operação TIPS (Terrorist
Information and Prevation System — sistema
de prevenção e informação
sobre terroristas) e já ocorrem debates
sobre a necessidade de legitimar a tortura. Infelizmente
os EUA não estão sozinhos nessa
tendência.
Recentemente uma decisão sinistra da União
Européia passou quase despercebida: o plano
para estabelecer uma política de fronteiras
pan-européia, para garantir o isolamento
do território da UE e evitar a entrada
de imigrantes.
O que está por trás dessas medidas
protetoras é a simples consciência
de que o atual modelo de prosperidade capitalista
não pode ser universalizado...
Trecho retirado do artigo
“O livre-arbítrio compulsório”,
de Slavoj Zizek, filósofo esloveno, professor
do Instituto de Sociologia da Universidade de
Liubliana, publicado no caderno Mais! do jornal
Folha de S.Paulo de 8 de setembro de 2002.
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