Todos os dias, alunos no mundo todo sofrem com um tipo de violência
que vem mascarada na forma de “brincadeira”. Estudos recentes revelam
que esse comportamento, que até há bem pouco tempo era considerado
inofensivo e que recebe o nome de bullying, pode acarretar sérias
conseqüências ao desenvolvimento psíquico dos alunos, gerando
desde queda na auto-estima até, em casos mais extremos, o suicídio
e outras tragédias.
Por Diogo Dreyer
Quem nunca foi zoado ou zoou alguém na escola? Risadinhas, empurrões,
fofocas, apelidos como “bola”, “rolha de poço”,
“quatro-olhos”. Todo mundo já testemunhou uma dessas “brincadeirinhas”
ou foi vítima delas. Mas esse comportamento, considerado normal por muitos
pais, alunos e até professores, está longe de ser inocente. Ele
é tão comum entre crianças e adolescentes que recebe até
um nome especial: bullying. Trata-se de um termo em inglês utilizado para
designar a prática de atos agressivos entre estudantes. Traduzido ao
pé da letra, seria algo como intimidação. Trocando em miúdos:
quem sofre com o bullying é aquele aluno perseguido, humilhado, intimidado.
E isso não deve ser encarado como brincadeira de criança. Especialistas
revelam que esse fenômeno, que acontece no mundo todo, pode provocar nas
vítimas desde diminuição na auto-estima até o suicídio.
“bullying diz respeito a atitudes agressivas, intencionais e repetidas
praticadas por um ou mais alunos contra outro. Portanto, não se trata
de brincadeiras ou desentendimentos eventuais. Os estudantes que são
alvos de bullying sofrem esse tipo de agressão sistematicamente”,
explica o médico Aramis Lopes Neto, coordenador do primeiro estudo feito
no Brasil a respeito desse assunto — “Diga não ao bullying:
Programa de Redução do Comportamento Agressivo entre Estudantes”,
realizado pela Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção
à Infância e Adolescência (Abrapia). Segundo Aramis, “para
os alvos de bullying, as conseqüências podem ser depressão,
angústia, baixa auto-estima, estresse, absentismo ou evasão escolar,
atitudes de autoflagelação e suicídio, enquanto os autores
dessa prática podem adotar comportamentos de risco, atitudes delinqüentes
ou criminosas e acabar tornando-se adultos violentos”.
A pesquisa da Abrapia, que foi realizada com alunos de escolas de Ensino Fundamental
do Rio de Janeiro, apresenta dados como o número de crianças e
adolescentes que já foram vítimas de alguma modalidade de bullying,
que inclui, além das condutas descritas anteriormente, discriminação,
difamação e isolamento. O objetivo do estudo é ensinar
e debater com professores, pais e alunos formas de evitar que essas situações
aconteçam. “A pesquisa que realizamos revela que 40,5% dos 5.870
alunos entrevistados estão diretamente envolvidos nesse tipo de violência,
como autores ou vítimas dele”, explica Aramis.
A denominação dessa prática como bullying, talvez até
por ser um termo estrangeiro, ainda causa certa polêmica entre estudiosos
do assunto. Para a socióloga e vice-coordenadora do Observatório
de Violências nas Escolas — Brasil, Miriam Abramovay, a prática
do bullying não é o que existe no país. “O que temos
aqui é a violência escolar. Se nós substituirmos a questão
da violência na escola apenas pela palavra bullying, que trata apenas
de intimidação, estaremos importando um termo e esvaziando uma
discussão de dois anos sobre a violência nas escolas”, opina
a coordenadora.
Mas, tenha o nome que tiver, não é difícil encontrar exemplos
de casos em que esse tipo de violência tenha acarretado conseqüências
graves no Brasil.
Em janeiro de 2003, Edimar Aparecido Freitas, de 18 anos, invadiu a escola
onde havia estudado, no município de Taiúva, em São Paulo,
com um revólver na mão. Ele feriu gravemente cinco alunos e, em
seguida, matou-se. Obeso na infância e adolescência, ele era motivo
de piada entre os colegas.
Na Bahia, em fevereiro de 2004, um adolescente de 17 anos, armado com um revólver,
matou um colega e a secretária da escola de informática onde estudou.
O adolescente foi preso. O delegado que investigou o caso disse que o menino
sofria algumas brincadeiras que ocasionavam certo rebaixamento de sua personalidade.
Vale lembrar que os episódios que terminam em homicídio ou suicídio
são raros e que não são poucas as vítimas do bullying
que, por medo ou vergonha, sofrem em silêncio.
Além de haver alguns casos com desfechos trágicos, como os citados,
esse tipo de prática também está preocupando por atingir
faixas etárias cada vez mais baixas, como crianças dos primeiros
anos da escolarização. Dados recentes mostram sua disseminação
por todas as classes sociais e apontam uma tendência para o aumento rápido
desse comportamento com o avanço da idade dos alunos. “Diversos
trabalhos internacionais têm demonstrado que a prática de bullying
pode ocorrer a partir dos 3 anos de idade, quando a intencionalidade desses
atos já pode ser observada”, afirma o coordenador da Abrapia.
|