Neto
(Rodrigo Santoro) é um adolescente de classe média.
Tem cerca de 16 anos, anda de skate e se mete em desventuras típicas
da adolescência. Vez por outra picha um muro e faz uso de
maconha com sua turma. Até que um baseado cai do seu casaco
em plena sala de estar. Pego em flagrante, o castigo que seus pais
(Othon Bastos e Cássia Kiss) lhe infligem é exagerado
na dose. Eles o internam em um manicômio.
Lá, ele conhecerá o abuso de medicamentos para sedar
os internos, os maus-tratos e a violência no tratamento, que
inclui o encarceramento e eletrochoques de até 460 volts!
As descargas aplicadas provocam convulsões, queimam neurônios
e podem até matar. A história é inspirada no
livro autobiográfico Canto dos malditos, de Austregésilo
Carrano Bueno, que foi internado por seu pai, entre 1974 e 1977,
no hospital psiquiátrico do Bom Retiro, em Curitiba/PR.
A internação de adolescentes nessas circunstâncias,
embora proibida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), continua a acontecer nos dias de hoje. A prática é
recriminada por especialistas. Eles sugerem que os pais se informem
sobre o assunto, procurem compreender o que está se passando
na cabeça dos filhos e partam para o diálogo franco.
Só se nada der certo devem buscar ajuda. (Clique
aqui e leia uma lista de instituições que podem ajudar
os pais.)
Durante o lançamento nacional de Bicho de sete cabeças,
o Educacional ouviu a opinião da equipe do filme sobre as
drogas.
O filme é inspirado em uma história
real que aconteceu nos anos 70. As internações de
jovens em manicômios ou hospitais psiquiátricos, por
serem usuários de drogas, continuam acontecendo?
Laís Bodanzky (diretora do filme) Continuam
acontecendo, sim, e isso é impressionante. Os motivos muitas
vezes são os mais absurdos. Em toda sessão do filme,
eu escuto uma história forte. Há duas semanas, nós
fizemos uma sessão em Porto Alegre e uma senhora chegou para
mim ao final da sessão e falou:
Obrigada por eu ter assistido a esse filme agora. A minha
filha tem 17 anos e vai fazer uma cirurgia. A gente foi ao médico
e ele perguntou se ela usava drogas. Ela disse que sim, que fumava
maconha.
Essa mãe tomou um susto muito grande e avisou:
Eu vou te internar, filha, pra cuidar de você.
E ela estava realmente em um processo de internação
da filha e acabou mudando de atitude. Ela me falou:
Eu acabei de mudar de idéia, não vou mais internar
minha filha depois de assistir a esse filme e quero que minha filha
assista o quanto antes.
Então, esse é um exemplo vivo, de tantos que estão
acontecendo por aí. Mas nada justifica a internação
ou cair nesse tipo de tratamento.
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Laís Bodanzky (diretora
do filme) |
Nas visitas que fez às instituições psiquiátricas,
você chegou a conversar com algum jovem que foi internado pelos
pais por uso de drogas?
Rodrigo Santoro (O Neto de Bicho de Sete Cabeças)
Conversar não, mas observei. Eu percebi principalmente pela
idade e depois... Como não sou médico, não podia
diagnosticar que tipo de sofrimento mental ele tinha. Inclusive foi
um dos primeiros pacientes com quem eu tive contato numa instituição
do Rio. Era um garoto, e a única coisa que eu pude perceber
era que ele estava dopado, que estava sob o efeito da farmacologia,
de algum remédio. Mas com toda certeza eu acho que ele não
deveria estar ali.
No caso do Neto, a sua família o interna ao descobrir
um cigarro de maconha.
Laís Bodanzky Ele fuma maconha e a família
descobre, mas a maconha entra como uma gota d'água, um susto,
um espanto que provoca uma atitude radical da família. No
filme, a gente não questiona em nenhum momento a droga. A
presença dela é um fato. Ela realmente existe na sociedade,
não se pode ser tão hipócrita e fingir que
ela não está aí. Ela está aí
e a família, em algum momento, vai se deparar com essa realidade.
O que a gente coloca no filme é muito mais que a questão
da droga que é apresentada sem glamour, sem defesa,
sem apologia. A questão central é que tudo você
pode resolver com uma conversa. Acho que este é o tema central
do filme: entender o outro, aceitar o outro, compreender as diferenças.
Com o diálogo na família, você pode evitar muitos
problemas e conseqüências trágicas como as que
aconteceram ao Neto.
O filme não discute apenas o uso indevido de drogas pelos
jovens. Ele mais parece uma crítica ao uso generalizado de
drogas na sociedade. É isso mesmo?
Luiz
Bolognesi (roteirista do filme) Em relação
às drogas, o filme abre essa avenida. Ele não fala
apenas da maconha, ele questiona a droga com que o Neto é
tratado [medicamentos usados para tratar os internos de hospitais
psiquiátricos] e mostra que aquilo também é
uma droga. O psiquiatra que o trata toma uísque com bolinha
e isso é uma coisa comum na sociedade. Então,
a gente expõe que precisa aumentar o espectro do discurso
e não cair no discurso fácil de condenar esse ou aquele
ato.
O cigarro também é questionado como droga. O filme
mostra como os internos são absolutamente viciados em cigarro,
é uma coisa degradante. A própria mãe do Neto
[interpretada por Cássia Kiss (foto)] tem uma dependência
muito forte do cigarro. A Laís, que criou isso, metaforizou
muito bem a depressão dela na droga que é o cigarro.
Ela está sempre com um cigarro na mão.
E até a questão do álcool a gente coloca uma
hora, que é quando o Neto está num momento muito difícil
na vida dele, de não conseguir voltar para a sociedade, de
não conseguir espaço para ele. O filme levanta uma
série de questões, não fecha nenhuma delas,
não levanta bandeira, mas lembra que droga não é
apenas um cigarro de maconha.
O filme sugere que esse problema pode acontecer em qualquer
família, que há um despreparo para lidar com o problema
das drogas, há a falta de diálogo a que a Laís
se refere. Você viveu algo semelhante ao que acontece no filme
em sua família?
Rodrigo Santoro Não, porque é muito
diferente. Eu não fui um adolescente urbano. Eu cresci na
serra, numa cidade pequena, em Petrópolis. As coisas que
eu fazia eram diferentes e a minha família era muito diferente
da família do Neto. Na hora de construir o personagem, o
lugar-comum era o adolescente rebelde, que picha muro. Não
é isso. Se você vir o Neto, ele não é
assim. Inclusive, ele tem uma característica: ele é
um cara tímido e tudo que ele não tem é essa
coisa do rebelde estereotipado. Ele está procurando sua história,
sua tribo, o que ele gosta de fazer. Aí a turma do camarada
tem um líder, o Lobo, que diz:
Vamos pichar o muro hoje?
E o Neto responde:
Vamos.
Vamos beber cachaça?
Vamos.
Vamos fumar um baseado?
Vamos.
Vamos viajar?
Vamos.
Vamos, vamos, vamos. Esses "vamos" são a essência
da adolescência.
Ele não é o estereótipo, o adolescente rebelde
que foi internado, o louco, o drogado, não é nada
disso. É um adolescente normal, tinha que ser um cara normal,
para que qualquer adolescente que assistir ao filme, sendo rebelde
ou não, se identifique: "Pô, eu também
faço, eu também já pichei o muro uma vez",
ou talvez não. Mas o Neto é muito simples e todo mundo
se identifica.
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