Interdisciplinaridade
de A a Z
Ivani Fazenda, que pesquisa a interdisciplinaridade
há 30 anos, debate e lança dicionário
sobre o tema na Educar 2001. Para ela, há material
de qualidade para se criar uma "disciplina da interdisciplina".
In-ter-dis-ci-pli-na-ri-da-de. A palavra é comprida
e, para a maioria, indecifrável. É talvez o
mistério que faz essa idéia ser tão sedutora.
Escolas se esforçam em criar projetos interdisciplinares,
universidades se alvoroçam para criar grupos de estudo
com especialistas nas diversas áreas do conhecimento
e o mercado exige um profissional multidisciplinar, multitarefa.
Porém, uma das expoentes da pesquisa da interdisciplinaridade
no país, Ivani Fazenda, faz um alerta: "Muitos
dizem que fazem [projetos interdisciplinares], mas poucos
os fazem de forma consciente", avisa.
Para ela, qualquer trabalho do gênero deve ir muito
além de misturar intuitivamente geografia e química,
matemática e português. O que é ser interdisciplinar,
então? "É tentar formar alguém a
partir de tudo que você já estudou em sua vida",
define. O objetivo dessa metodologia, na sua opinião,
também é bem mais profundo do que procurar interconexões
entre as diversas disciplinas. Ela serve para "dar visibilidade
e movimento ao talento escondido que existe em cada um de
nós".
Perguntas existenciais
Uma das maneiras de tocar nesse talento oculto seria formar
indivíduos que saibam como perguntar e reconheçam
a importância desse ato. Segundo ela, os cursos de formação
de professores trabalham a linguagem de forma "papagaiada".
São feitas "perguntas intelectuais", aguardando-se
respostas dentro de um universo conhecido de antemão,
o que induz à reprodução das informações
dos livros didáticos. O que Ivani propõe é
que o professor faça "perguntas existenciais"
para obter respostas inusitadas, inesperadas, de seus alunos
e, assim, trazer à tona seus talentos.
Em outras palavras, a idéia é falar de questões
profundas de forma simples. Assim, o professor que desenvolver
trabalhos interdisciplinares deverá "desembocar
em coisas que eram impossíveis de abordar em educação
há anos atrás, como o amor e a beleza",
exemplifica. Segundo Ivani, na dimensão explorada pela
interdisciplinaridade, não basta ser bom de conteúdo.
É preciso ser belo. "Uma coisa bonita não
precisa ser explicada, ela toca você no seu sentido
maior, no sentido de existir."
Nesse sentido, Interdisciplinaridade: dicionário em
construção, livro do qual Ivani é organizadora
e que está sendo lançado na Educar 2001, pode
ser útil para os professores que queiram desenvolver
projetos nessa área e tratar de questões tão
intrincadas. "Nesse dicionário vocês vão
encontrar possibilidade de ler do simples ao erudito. Ele
contém imagens, poesias, frases curtas, dá para
sentar e discutir com os alunos essas teorias", afirmou.
Segundo ela, essa abordagem também é muito
recompensadora para os professores. "Nós [educadores]
somos espoliados de todas as formas: nos salários,
nas condições de trabalho e isso [o trabalho
interdisciplinar] nos ajuda a recuperar a auto-estima",
desabafou.
Desejo ilimitado
A coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas da Interdisciplinaridade
(GEPI) da PUC-SP acredita que a interdisciplinaridade promove
a recuperação de uma característica da
primeira infância do ser humano: "Aos dois ou três
anos de idade temos um desejo de conhecer ilimitado."
Segundo ela, essa busca das origens é um dos fundamentos
da interdisciplinaridade. "É preciso saber como
os conteúdos nasceram, se desenvolveram e são
estudados hoje."
Para Ivani, não existe interdisciplinaridade sem disciplinas.
"É preciso haver um respeito à disciplina",
disse. "O problema é que são feitos recortes
nos conteúdos que não permitem compreender a
sua essencialidade. Ela diz que até as tradicionais
cartilhas são dignas de respeito, desde que sejam vistas
como ferramentas e "usadas da maneira certa, no momento
certo, para o aluno certo". Segundo ela, "bendito"
do professor que faz isso.
Segundo a coordenadora, nos anos 70, quando ela começou
a pesquisar a interdisciplinaridade, "quiseram acabar
com as disciplinas em nome de uma pseudo-integração
e eliminou-se a importância da matemática, da
língua portuguesa e da geografia", lembra.
Professores órfãos
E como ela vê a pressão do vestibular e a cobrança
dos pais para que as escolas "dêem matéria"?
"Eu tenho que preparar para o vestibular e para o vestibular
da vida. A minha missão é no mínimo dupla",
responde. Para Ivani, desafio ainda maior é a formação
do professor. "Quem educa o educador para a totalidade,
para ter um olhar mais sensível?", pergunta-se.
Segundo ela, essa é uma pergunta "mundial"
e "que está em todas as gargantas". Em sua
experiência com professora, da pré-escola à
pós-graduação, ela se deparou com "professores
órfãos de teorias, de práticas e de metodologias".
Mas garante que não é por falta de produção
científica ou de livros que tratem o tema.
Ela própria é autora de 18 livros na área
e já orientou mais de 50 trabalhos, entre dissertações
e teses, desde 1989 no GEPI. "Já temos um material
de alta qualidade de pesquisadores brasileiros para criar
uma disciplina da interdisciplina", concluiu.
Além do dicionário, ela anunciou a inauguração
do site do GEPI, que será abrigado na página
da PUC-SP.
Mais informações: http://www.pucsp.br/
Serviço: Interdisciplinaridade: dicionário
em construção. Organizado por Ivani Fazenda.
Cortez Editora.
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Vitor Casimiro
Exclusivo para o Educacional
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