“Está se trocando os arpões pelas máquinas fotográficas”
“Está se percebendo, graças
ao valor agregado e ao movimento do turismo que a baleia
gera, que vale muito mais uma baleia viva do que uma
baleia no prato”, afirma Márcia Engel, diretora do Projeto
Baleia Jubarte.
Há quanto tempo você trabalha no Projeto
Baleia Jubarte?
Estou praticamente desde o início, desde 92
— ele foi criado em 88.
E qual era a situação das baleias jubarte
nessa época?
A população estava bem menor do que hoje.
Atualmente, com a proibição da caça
na maioria dos países, inclusive no Brasil, a
população mundial de jubarte, no geral,
está se recuperando. Na costa brasileira, isso
é bem visível. Nós temos um número
crescente de registros. As baleias estão agora
repovoando áreas onde elas foram praticamente
dizimadas até o início do século.
A baleia jubarte habitava toda a costa brasileira.
Em que áreas estão sendo repovoadas?
É, elas foram muito caçadas. Uma das
áreas que está sendo repovoada é
o litoral norte da Bahia, a região de Salvador,
Praia do Forte.
E o que motivava a caça das baleias no século
passado?
Havia um interesse econômico. O óleo da
baleia era bastante precioso. Ele era utilizado na iluminação,
como argamassa na construção de casas
e, fundamentalmente, na produção de óleo.
Por acaso, seriam as famosas lamparinas a óleo
de peixe usadas na iluminação pública
das cidades?
Óleo de baleia, na verdade. Rio, Salvador, todas
as cidades eram iluminadas assim. Eu não sei
dizer até quando o óleo de baleia foi
usado na iluminação, mas, no Brasil, as
baleias foram caçadas até 1986.
E como o Brasil chegou à decisão de proibir
a caça?
Existem dois aspectos. Há um decreto-lei que
proibiu a caça em toda a costa brasileira, e
essa decisão foi ao encontro de uma política
internacional de conservação. O Brasil
é país membro da Comissão Internacional
da Baleia — o órgão máximo que
regulamenta a caça de baleias em todo o planeta.
Eu faço parte da delegação brasileira.
Anualmente discute-se a caça e, felizmente, o
Brasil tem uma postura destacadamente conservacionista.
Quando ocorreu a última reunião?
A última reunião foi na Austrália,
agora em junho, julho [de 2000]. A reunião tem
dois momentos: a parte do comitê científico
e a plenária. O comitê científico
dá as bases para a plenária, em que se
tomam as decisões políticas. Este ano
discutiu-se muito o whale watching, que é
o turismo de observação de baleias.
E que novidades você trouxe de lá?
Discutiu-se o quanto é possível a substituição
da caça comercial pelo turismo de observação.
Está se trocando os arpões pelas máquinas
fotográficas. Essa é uma atividade econômica
bastante rentável, que gera um recurso imediato
para as comunidades do entorno da baleia. Está
se passando a perceber, graças ao valor agregado
e ao movimento do turismo, que a baleia gera, que vale
muito mais uma baleia viva do que uma baleia no prato.
Essa atividade turística já foi introduzida
no Brasil?
Sim, em algumas áreas. Você tem as jubarte
aqui em Abrolhos, tem o turismo de observação
de baleias francas em Santa Catarina. Tanto lá
como aqui ainda estamos numa fase inicial, mas já
estamos atraindo muita gente. Esta semana estou até
viajando para lá para participar da Semana da
Baleia Franca, um evento que acontece anualmente, e
vamos discutir justamente isso.
As baleias jubarte foram particularmente afetadas pela
caça porque são bastante dóceis.
Elas permitem que um barco se aproxime bastante, não
é isso?
É, dá para se aproximar bastante. As
francas e as cachalote, principalmente, foram mais caçadas
do que as jubarte.
As jubarte são uma espécie migratória.
Qual é o ciclo dessas baleias e onde elas vivem
quando não estão no Brasil?
Elas vivem na região antártica, onde
passam metade do ano, alimentando-se. Então,
passam o verão e o outono na Antártida.
Quando começa o inverno, elas migram para regiões
tropicais para a reprodução. Nós
temos uma população que migra especificamente
para a região de Abrolhos.
Essa população é formada de quantas
baleias? Há números sobre o aumento populacional?
Nossa última estimativa populacional nos deu
um número em torno de 1.600 baleias jubarte que
vêm para a região de Abrolhos. Está
sendo bem gratificante trabalhar com uma espécie
que está se recuperando, mas é difícil
calcular esse aumento. Só a partir deste ano
é que vamos fazer uma estimativa, com dados mais
robustos, para poder comparar o crescimento em cada
ano.
Por causa desse crescimento populacional, há
uma preocupação com o aumento de incidentes,
como baleias encalhadas na costa ou choques com embarcações?
Atualmente, os esforços de conservacionistas
como nós estão voltados para o trabalho
com outros tipos de mortalidade. Com o aumento da população,
conseqüentemente já tem aumentado a incidência
de emalhamento em redes de pescas, principalmente de
filhotes, que é algo que nos dá muito
trabalho. Também aumenta o risco de atropelamentos
por embarcações. No ano passado, registramos
um caso envolvendo um filhote. Nós ficamos monitorando-o
por vários meses. Ele aparentemente sobreviveu,
mas ficou bastante ferido.
Que providências o Projeto Jubarte tem tomado
para evitar esses novos problemas?
As ações do Projeto Baleia Jubarte já
vêm sendo desenvolvidas há bastante tempo.
Há o monitoramento da atividade turística
em Abrolhos. Cada barco que chega recebe a visita de
um membro do projeto, que faz uma pequena palestra,
distribui material para os turistas, para os mestres
dos barcos e para toda a tripulação. Todo
mundo já conhece de cor a portaria 117/96 do
Ibama sobre as normas de avistagem de cetáceos
em águas brasileiras. São regras básicas
que minimizam bastante o impacto da aproximação
das embarcações. Tem também o trabalho
de registro e resgate de baleias encalhadas ou emalhadas
em redes de pesca. Em 96, fizemos um outro trabalho
bem interessante. Foi um monitoramento do levantamento
sísmico que a Petrobrás, pretendia fazer
na região de Abrolhos, e que era impactante para
os cetáceos.
O maior perigo para as baleias jubarte em Abrolhos
são os barcos?
Nós estudamos o que está acontecendo
com o comportamento das baleias, mesmo com o cumprimento
das normas de avistagem. Estamos em uma região
de reprodução, em que há muitos
filhotes recém-nascidos, e a aproximação
dos barcos, se mal conduzida, faz com que a fêmea
interrompa a amamentação, o repouso, uma
série de atividades, e até mesmo queira
retornar à Antártica antes do tempo, quando
o filhote ainda não está preparado.
As baleias jubarte já foram assunto de reportagens
do Globo Repórter. Essa exposição
preocupa os integrantes do projeto pelo aumento do turismo
que ela causa?
Pelo contrário, o turismo está numa fase
de descoberta. Existe o turismo voltado ao Parque Marinho
de Abrolhos, e a baleia é um componente a mais.
O que está acontecendo é uma mudança
de foco em muitas situações. O atrativo
está deixando de ser o parque e passando a ser
a baleia. Mas com o trabalho que se está fazendo,
a situação está sob controle. Há
um plano de manejo do parque que limita em 15 o número
embarcações que podem estar ao mesmo tempo
na região.
Como funciona o programa de educação
ambiental que vocês desenvolvem?
O programa de informação e educação
ambiental surgiu pela necessidade de aproximar mais
a comunidade local da baleia. As pessoas sabiam que
havia um trabalho, mas não sabiam o porquê,
qual era a finalidade. Esse programa surgiu para elas
perceberem que existia um trabalho técnico de
pesquisa e conservação.
Como esse projeto desperta o espírito conservacionista
nas crianças?
Esse programa desenvolve uma série de atividades
nas escolas: tem a Horta Comunitária;
a Patrulha Ecológica, que é um grupo de
doze crianças que participa da conscientização
de turistas sobre a necessidade de manter as praias
limpas; a capacitação de professores para
a educação ambiental; um programa de reciclagem
de lixo. Enfim, uma série de atividades voltadas
às baleias e ao seu ecossistema, do qual fazem
parte corais, manguezais, etc. Então, tentamos
passar uma visão ampla da interdependência
dos ecossistemas e da importância da baleia nesse
processo.
Uma vez que a população de baleias vem
aumentando, o movimento para conservá-las não
tende a perder a força?
Nosso trabalho na Comissão Internacional da
Baleia é importante porque vários países
ainda brigam muito para o retorno da caça comercial,
principalmente o Japão e a Noruega.
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