Descoberto em 1501, o Rio São Francisco foi decisivo para o desenvolvimento
do interior do país. Hoje, ele agoniza com a diminuição
de seu volume de água, provocada pelo desmatamento de suas margens e
por seu represamento.
Velho Chico, Rio
da Unidade Nacional, Rio
dos Currais, Nilo
Brasileiro e Rio
das Borboletas. Esses são apenas alguns dos apelidos
dados ao Rio São Francisco ao longo de sua história. Descoberto
em 4 de outubro de 1501 — durante uma expedição de exploração
da costa brasileira comandada por Gaspar Lemos e Américo Vespúcio
—, obedecendo a uma tradição da época, o rio recebeu
o nome do padroeiro dessa data, São Francisco de Assis.
Em sua trajetória, o Velho
Chico percorre cinco estados brasileiros e é a divisa
natural entre Minas Gerais e Bahia, Bahia e Pernambuco e Alagoas e Sergipe.
Além disso, é o principal responsável pelo sustento de
diversas
cidades que apareceram em suas margens no decorrer dos últimos
500 anos.
Navegar
pelo São Francisco é passear pela história
do Brasil. Foi graças a ele que os bandeirantes conseguiram seguir rumo
ao interior do país, deixando o litoral para se aventurarem em direção
ao sertão e ao Sudeste.
Com a expansão da cana-de-açúcar no litoral nordestino,
o gado começou a ocupar as margens do rio no final do século XVI
e, durante cem anos, a pecuária se tornou tão forte que o São
Francisco foi chamado de Rio dos Currais.
À medida que os bandeirantes adentravam essas regiões e com
a ajuda das cheias, que deixavam as áreas ribeirinhas férteis,
foram desenvolvendo-se outras importantes atividades econômicas, como
o plantio
do arroz, o comércio do sal (usado para a engorda
do gado) e o transporte
de outras mercadorias entre o litoral e o interior.
A pesca em suas águas ainda sustenta comunidades inteiras. Mas o desmatamento
para a produção de lenha, a poluição provocada pelo
despejo de resíduos domésticos e industriais e, principalmente,
a construção das usinas hidrelétricas fizeram com que muitos
pescadores e ribeirinhos fossem obrigados a procurar outras
formas de sustento, e a mesma coisa aconteceu com muitos
produtores de arroz da região do chamado Baixo São Francisco (próximo
à foz).
Produção de energia elétrica, piscicultura, agricultura,
pecuária, turismo... Muitas são as atividades econômicas
proporcionadas pelo rio e as formas de explorá-lo. O problema é
que, dependendo da escolha e do comprometimento com cada uma dessas possibilidades,
as outras podem ser drasticamente afetadas. Como conseqüência, a
melhoria da qualidade de vida de alguns pode significar o fim do sustento de
outros.
Em 1903, o comerciante de couro Delmiro Gouveia construiu a primeira hidrelétrica
do São Francisco na tentativa de gerar energia para sua fábrica
de fios. De lá para cá, surgiram outras usinas, como Paulo Afonso
I, II, III e IV, Sobradinho, Xingó e Três Marias. Com a instalação
dessas usinas hidrelétricas, conseguiu-se garantir a regularização
da vazão mínima do rio, o que possibilita melhor aproveitamento,
durante a estiagem, do potencial energético das águas.
Mas isso não foi feito sem custo para outros setores. “Após
a implantação da usina de Xingó, a vazão na foz
do rio caiu de 16 mil metros cúbicos por segundo para 2 mil metros cúbicos
por segundo. Isso está fazendo com que o mar
invada o rio e está afetando até mesmo a cultura
do arroz, pois a água do rio, aqui, está ficando salobra. Há
registros de que, no passado, coletava-se água doce para abastecer os
barcos a quilômetros do litoral, mar adentro”, afirma Robério
Ramos Góes, 40, que há sete anos dedica-se ao desenvolvimento
do turismo
na região de Piaçabuçu (AL).
Nos últimos anos, a invasão do mar tem sido tão forte
que o farol
da Foz do São Francisco — que foi construído
em 1873 e ficava a 700 metros da arrebentação —, hoje, já
está dentro da água. Com o avanço do mar, o povoado de
Cabeço, localizado próximo ao farol, teve de ser abandonado por
seus moradores e, atualmente, nem barcos podem chegar muito perto. “É
muito perigoso navegar por aquelas águas, pois há sempre o perigo
de bater com o fundo do barco em um dos telhados dos sobrados que foram engolidos
pelo mar. Depois que a usina de Xingó entrou em funcionamento, até
a
foz do rio ficou mais estreita (diminuiu de 6 quilômetros
de largura para pouco mais de um quilômetro)”, diz o barqueiro Lenilson
Nunes Castro, 28.
“Pelo rio, entravam navios para carregar coco, arroz, esteira e outros
produtos que eram produzidos na região. Com a barragem, acabou tudo,
até mesmo os peixes. Quando eu era criança, nossa região
era a maior produtora de camarão do Nordeste e bastava sentar à
beira do rio que, em poucos minutos, conseguia-se pegar um peixe. Hoje, temos
de esperar horas e, às vezes, não pegamos nada”, conta Francisco
Acioli, 72, morador de Piaçabuçu,
a cidade alagoana que fica mais próxima à foz do rio.
Com a pesca reduzida e o plantio de arroz prejudicado, não restam muitas
opções de trabalho para os jovens que estão entrando no
mercado. O próprio Lenilson, há alguns anos, vem tentando buscar
opções para engordar o orçamento. Uma delas é fazer
passeios de barco com turistas, levando-os até a foz do rio. “O
único caminho seria passar em um concurso público, mas acho que
nossas chances são muito pequenas. As vagas que surgem na cidade normalmente
são preenchidas por pessoas de fora que conseguiram ter mais estudo e
freqüentar escolas melhores”, lamenta o barqueiro. Outro caminho
é o desenvolvimento do turismo local. Para isso, belezas naturais é
o que não falta. Próximo à foz do rio, existem 20 quilômetros
de dunas de areia branca como talco, e até mesmo o Velho Chico ainda
guarda encantos dignos de ótimos passeios, como a visita ao Pixaim
(antigo quilombo), o vôo
com pára-quedas sobre a foz e a subida pelo rio a
bordo de pequenos
barcos, que leva três dias. Afinal, não foi
à toa que Deus escolheu exatamente a região de Piaçabuçu
para se tornar brasileiro e desembarcar
ali em busca de um substituto a fim de que pudesse tirar férias de
uma semana (o início do filme Deus É Brasileiro, de Cacá
Diegues, foi gravado próximo à Foz do São Francisco, na
cidade de Piaçabuçu).
Apesar de todo o esgoto doméstico e industrial que o rio recebe em
sua trajetória e da violência que sofre ao longo de seus 3.100
quilômetros de extensão, para o responsável pelo laboratório
de análises da Companhia de Abastecimento de Alagoas (Casal), Gerônimo
Malta Guedes, 44, “a água do São Francisco é uma
das melhores que chegam até aqui. É uma água cristalina
e, para seu tratamento, só precisamos adicionar cloro”.