“Uma vez, eu trouxe um consultor da Alemanha para dar uma palestra na
universidade sobre a falta de água em Recife. Depois de passear pela
cidade comigo, ele foi muito direto em sua argumentação: ‘Gostaria
que o senhor fosse mais sério. Recife não tem problema de água.
O problema da cidade são vocês que moram aqui’”, lembra
o reitor da Universidade Livre do Meio
Ambiente (Unieco) e um dos coordenadores da Agenda 21 de Pernambuco
(uma espécie de estatuto para um aproveitamento sustentável dos
recursos naturais do Estado), Otto Benar de Farias.
Pode parecer uma argumentação grosseira e dura, mas está
bem próxima da realidade. Afinal, uma cidade rica em águas como
é a capital pernambucana, se não fosse a capacidade de sujar
suas águas, não teria de conviver com um sistema
de racionamento contínuo. Para cada dia com água, a população
fica dois sem ela. “A população não sente porque
as empresas superdimensionam os reservatórios (caixas d’água)
e, quando voltamos a bombear a água, ainda não havia faltado na
torneira”, diz Álvaro Menezes da Costa. Em épocas de seca,
como em 1999, por exemplo, o racionamento chegou ao seguinte ponto: para cada
dia com água, a população ficava nove dias sem ela.
Apesar de afirmar que a água que chega às torneiras das casas
é de boa qualidade, o diretor da Compesa confirma que, devido ao racionamento,
é comum o líquido chegar com uma coloração barrenta
e com gosto a muitas residências. “Não podemos esquecer que,
em determinadas partes da cidade, a tubulação é muito antiga
e, às vezes, de ferro. Se deixamos de bombear a água por dois
dias, quando fazemos isso novamente, ela sai limpando a tubulação
enferrujada e, por isso, a água sai naquele tom avermelhado, barrento.
Sem dúvida, é uma visão desagradável. Eu mesmo não
bebo dessa água; prefiro água mineral”, revela o diretor.
Para ele, a garantia de qualidade também é colocada em xeque
quando se trata de prédios, hotéis e residências que utilizam
a água extraída de poços artesianos perfurados clandestinamente
pelos próprios moradores da capital, já que não há
um estudo em relação ao nível de contaminação
da água desses poços.
Atualmente, 90% da população de Recife
e região metropolitana recebe em sua residência água encanada
e tratada pela Compesa. Apenas 20% dessa água é proveniente de
poços artesianos explorados pela empresa (eles estão situados
na região norte da cidade, onde o lençol freático apresenta
melhor qualidade). Nessa água, os testes químicos e bacteriológicos
são feitos com regularidade e, sempre que é constatado algum tipo
de poluente, o poço é abandonado pela empresa. “Desde 1999,
abandonamos cerca de três poços, nos quais constatamos teores elevados
de nitrato”, lembra o diretor.
O problema é que, desde a crise de água de 1999, quando o racionamento
era de 9/1, muitos proprietários de residências, prédios
e hotéis têm cavado seus próprios poços e acabaram
misturando em seus reservatórios água boa qualidade e água
de qualidade duvidosa proveniente dos poços clandestinos ou mal construídos.
“Hoje, sabe-se que todo o sistema aqüífero de Boa Viagem,
por exemplo, já está contaminado. O uso desse recurso foi tão
intenso no passado que o mar invadiu o aqüífero e, hoje, a água
da região é salobra e pode ainda conter algum tipo de contaminação
orgânica”, diz o diretor.
Sendo assim, se você mora em Recife ou é um turista que está
de passagem pela capital e, durante o banho, sentir que o sabonete não
faz muita espuma e não escorrega direito, atenção: você
pode estar se banhando em água de má qualidade.